sábado, 29 de janeiro de 2011

Anathema: We're Here Because We're Here

PAISAGENS ESTRANHAS

Dos Anathema, não havíamos álbum desde "A Natural Disaster", de 2003.
Pelo caminho, tivémos uma compilação, "Hindsight" (2008), que antologiava pela primeira vez a fase que vai desde "Eternity" (1996) ao álbum de 2003, já que os dois volumes de "Resonace" (2001 e 2002) se ocupavam da fase inicial da banda, mais marcada pela tonalidade doom-metal, que a banda abandonou quando Darren White deixou a banda.
E se "Eternity", ao colocar como vocalista o guitarrista Vincent Cavanaugh, começava uma nova sonoridade para os Anathema, seriam os álbuns "A Fine Day to Exit" (2005) e, principalmente, "A Natural Disaster" a revelar-nos a profunda maturidade dos novos Anathema: uma sonoridade sempre angustiante e tensa, mas marcada pela fusão entre o lado orquestral e sinfónico e o rock pesadote. Tornava-se cada vez mais difícil catalogar a música da banda, e, a partir de 2003, começamos a ouvir com frequência o termo progressive-rock.
"We're Here Because We're Here", lançado em 2010, vem demonstrar que essa definição de progressive-rock estava, afinal, certa.
A capa do álbum mostra-nos uma imagem luminosa, que nos aponta para uma certa libertação. Seria talvez estranho ver esta imagem nos Anathema, principalmente depois da "contemplação carinhosa da angústia" (Empresta a Agustina.) que era "A Natural Disaster".
Mas, logo que começamos a ouvir "Thin Air", percebemos que, realmente, há aqui uma espécie de libertação. Não diria propriamente uma felicidade, mas, definitivamente, uma vontade de criar canções mais luminosas. Outras canções como "Dream Light" ou "Everything" vêm ainda neste sentido. Percebe-se, definitivamente, que sete anos de silêncio tiveram a sua importância, porque talvez "We're Here Because We're Here" não fosse possível antes.
O tipo de construção destas canções também o confirma. A articulação entre o lado orquestral e o lado eléctrico é realmente bizarra, mas muito bem conseguida, contribuindo, de facto, para criar uma grande tensão dentro das composições que, por si só, já são dramáticas. A voz é ainda a mesma, Vincent Cavanaugh canta com uma certa fragilidade, mas com grande segurança e a sua "personalidade" parece inserir-se muito bem neste tipo de atmosferas mais luminosas, tanto quanto nas mais tensas a que já estamos habituados, como acontece com "Universal", que vive de um crescendo, tornando-se cada vez mais densa e cada vez mais tensa, culminando numa espécie de violência libertadora que, de resto, é muito o espírito deste álbum.
Outros exemplos disto: a canção "Summernight Horizon", que me parece uma das melhores do álbum, ainda que uma das mais tristes, a fazer lembrar um pouco os tempos de "Pulled Under at 20000 Metres a Second", mas mais arriscada e, também, mais conseguida; ou ainda "Get Off Get Out", que, sendo uma das canções mais negras, parece ser também a mais inesperada de todo o álbum, não contendo reminiscências a qualquer outro álbum a qualquer outra canção; talvez por ser uma das duas escritas por John Douglas, o baterista, que, ainda assim, revela aqui maior originalidade do que em "A Fine Day To Exit", onde compunha metade do álbum.
"We're Here Because We're Here" está também cheio de pequenas subtilezas, o que já não é estranho nos Anathema, particularmente tendo em conta os álbuns de 2001 e 2003. Exemplo disso é "Everything", onde encontramos uma certa ambiência folk, assim como em "Angels Walk Among Us", que conta com a participação de Ville Valo, o vocalista dos HIM. A letra desta última canção tem ainda uma questão curiosa, que a de fazer lembrar um pouco o estilo lírico de "Serenades" (1993) ou de "The Silent Enigma" (1995), que já não ouvíamos nos Anathema há algum tempo ainda que, como sempre, as canções sejam da autoria de Danny Cavanaugh.
Outra coisa que me parece notória neste álbum, e que vem talvez continuar um pouco o que acontecia em "A Natural Disaster" é que estas canções parecem deliberadamente afastar-se do conceito típico de "canção" com estrofe-ponte-refrão-estrofe-ponte-refrão-coda-refrão. Estas canções parecem vaguear, mais interessadas em desenvolver as possibilidades instrumentais e de letra, tornando-se assim mais fortes e surpreendentes. Se "Thin Air", "Angels Walk Among Us", "Get Off Get Out", "Universal" ou "Hindsight" são bons exemplos disto, "Presence", cuja voz está entregue a Lee Douglas, é exemplo máximo disso, parecendo uma espécie de monólogo de lamento, com cerca de três minutos apenas.
Acima de tudo, "We're Here Because We're Here" é construído por atmosferas e paisagens estranhas, de um orgânico e intrincado, e os Anathema parecem aqui sintetizar todos os sentimentos humanos. Em termos de letras, estas poderão estar ao nível das melhores da banda, lado-a-lado com "A Fine Day to Exit" e "A Natural Disaster".
Em suma, valeu a pena esperar sete anos por este álbum. Intuo nele um novo começo para os Anathema, eles que têm realmente o vício do recomeço. É de notar que ninguém, ao ouvir "Serenades" poderia prever um álbum como "We're Here Because We're Here", mas isso é o menos importante. O mais importante foi ele ter acontecido. E ter acontecido com toda esta grandeza.



Sem comentários: